domingo, 9 de setembro de 2012

28. O AMOR É LIBERTADOR

São Paulo, segunda, 19h.
Rogério goza. Exausto, deita ao lado de Felipe. Nota que ele não gozou.
- Meu namorado vai dormir em casa hoje.

***

São Paulo, segunda, 23h.
Agora sim, Felipe gozou, junto com Bruno. Ficaram abraçados, relaxados, durante algum tempo. Até que Bruno comentou:
- Amanhã à noite vou pro Rio. Voltarei na quinta.
- Ficarei com saudades.
- Vai se encontrar com Rogério?

***

São Paulo, terça, 21h.
Felipe volta do aeroporto e encontra Rogério aguardando-o. Sobem. Enquanto Felipe toma um banho, Rogério observa as fotos de Felipe e Bruno espalhadas por vários porta retratos: na parada gay, no carnaval de Salvador, réveillon de Copacabana, em Ilhabela, Campos do Jordão, churrasco de amigos.

***

Rio de Janeiro, terça, 22h30
- Felipe, cheguei ao Rio. Estou indo ao hotel. Tudo bem por aí, meu amor?
Em seguida, faz outra ligação:
- Pedro, Bruno. Tudo bem? Estou no Rio. Quer jantar comigo amanhã?

***

São Paulo, quarta, 18h.
Felipe recebe um telefonema:
- Saí agora do trabalho (...) Bruno está no Rio (...) passa em casa. Saudades de você, gostoso.

***
Rio de Janeiro, quarta, 22h.
- E seu namorado, continua saindo com aquele cara?
- Eles se encontram às vezes, Pedro.
- Você já contou pra ele sobre nós, Bruno?
- Não. Na hora que eu achar que devo, SE achar que devo, conto.

***

São Paulo, quarta, 22h.
- Você está em casa, Rogério?
- Não, eu saí - mente.
- É que eu estou aqui embaixo, estou vendo a luz do seu quarto acesa.
- Devo ter esquecido de apagar.
- Mas saiu à pé? Seu carro está na garagem.
- Sim, estou num bar aqui perto.
- Quer que eu vá aí?
- Estou com o pessoal do trabalho. Vou chegar cansado. A gente se vê amanhã.
Desligaram.
- Quem era, Felipe? O namorado?
- Não, um amigo.

***

São Paulo, quinta, 20h.
Felipe vai buscar Bruno no aeroporto.
- Deu tudo certo no Rio?
- Foi ótimo. O processo foi um sucesso.
- Senti saudades suas, meu amor.
- Também. Estou cansadão, mas hoje eu quero você! Pediu a pizza?
- Sim, pra gente comer na cama...

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

27. "ONDE SE GANHA O PÃO...

... não se come a carne”. Já dizia o velho ditado. Mas vai dizer isso pra glande? Essa cabeça nada pensante que só se mete (ui!) em encrenca e confusão.
Giovanna saiu de licença maternidade. Seis meses mais as férias. Nosso chefe me promoveu, temporariamente, a encarregado, e trouxe Renato do almoxarifado. Ele era estudante de publicidade e iria ocupar, pelo menos naqueles sete meses, minha vaga.
Renato tinha conhecimento zero e vontade dez de aprender. Durante o primeiro mês, procurei ensinar tudo a ele. Meu chefe até ficou surpreso com meus conhecimentos. Renato tornou-se minha sombra naquele escritório.
E era um rapaz muito, muuuuuuuuito bonito. Gostoso. Moreno, cerca de um metro e oitenta, bunda bem redonda sempre dentro da calça jeans, um estilo bem normal e simples de vestir-se e agir. Reservado em sua vida pessoal, às vezes atendia ao telefone. Falava com o “mor”. Com o tempo, percebi que deixou de referir-se a ela por esse apelido carinhoso.
No terceiro mês da licença, o chefe me chama para a bomba: Giovanna decidiu não voltar para a empresa. Pedira demissão. Ele, então, ofereceu o cargo de encarregado a mim (aceitei) e o de assistente a Renato.
Passamos a almoçar juntos com maior freqüência, e Renato, sempre reservado em sua vida, um dia resolveu abrir o jogo. Havia rompido o namoro. Estava meio pra baixo, mas aliviado. Sentia-se pressionado a formalizar a união, ao mesmo tempo em que sua vida social se resumia a cinema, um ou outro restaurante, uma ou outra lanchonete. Amigos, sumiram. Apesar de ter de começar do zero, e também da tristeza e do vazio, tinha disposição de sobra para isso.
Não vou negar que até esse dia, achava que o tal “mor” de Renato era, na verdade, um homem. E também não nego que sentia um puta tesão por ele. Quantas punhetas tinha dedicado a ele em meus banhos em casa? Mas, enfim, era hétero. E como tal, deveria continuar. Gay só investe num hétero se houver, ainda que microscópica, uma chance. E eu não a enxergava nem com o mais potente microscópio.
Num fim de semana convidei-o a sair comigo. Ele ficou radiante, aceitou antes que eu terminasse o convite. Começamos por um bar e esticamos a uma balada. Lá pelas tantas, eu estava trocando olhares com um cara e nos encontramos no banheiro. Quando voltei para a pista, Renato estava de cara fechada.
O clima no trabalho estava pesado. Renato, que era minha sombra, ficava distante. Numa tarde em que o chefe tinha ido a uma reunião fora, puxei assunto. Eis que fui surpreendido pela bomba: Renato tinha notado minha paquera com o rapaz na boate. Não havia ficado chateado com a descoberta, mas triste por que ele é quem queria ser paquerado por mim. Ali, naquele escritório, naquela tarde, Renato dava seu primeiro beijo na boca de um homem.
Nosso namoro, ainda que secreto na agência, evoluiu, o tempo passou. Renato formou-se no final do ano seguinte, e a descoberta de ser gay talvez provocasse nele o desejo de viver novas e muitas experiências. Eu já tinha passado por aquilo. Fui capaz de entender, mas não evitar o sofrimento pelo fim do nosso namoro. Renato deixou a cidade e veio morar em São Paulo.
Dois anos depois, percebi que eu mesmo tinha ficado maior que aquela agência e aquela cidade. Consegui um emprego no Ibope em São Paulo. Sou diretor de pesquisas e trabalho na área de relacionamento com empresas.
Encontrei Renato em algumas baladas. Está bem diferente. Roupas e cabelos num estilo mais fashion, sempre acompanhado de muitos amigos e muita bebida. Descobri também que é um diretor de arte e design de uma das agências de propaganda que estão em minha carteira de clientes. Em minhas visitas a ela, ele finge não me ver, mas percebo que o canto de seu olhar me procura. Não sei se constrangido pelo fim do namoro ou se um desejo de um revival.
Quanto a mim, “águas passadas não movem moinhos” nem matam a sede. E eu tenho sede. Sede de viver, sede de seguir em frente. Sede de ser feliz. Sede que vou saciar bebendo outras águas. Não as águas do tempo de Renato. Por ele, a última água foi a das lágrimas. A vida segue. E a minha, certamente, tem um longo caminho de sede, de águas... E também de lágrimas, por que não?

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

26. VOU DE TÁXI

Aquele era meu primeiro sábado pós fim do namoro. Eu ainda carregava alguns resquícios de tristeza e aquela noite queria, pelo menos, me sentir desejado. Escolhi ir para uma das baladas mais concorridas de São Paulo. E resolvi que iria beber. Ou seja, não fui de carro.
Ainda bem que algum resquício de bom senso foi comigo pra noite. O som, eletrônico, me dava dor de cabeça. Aquele monte de homens sem camisa (ainda que fizesse uns 10 graus na madrugada), desfilando suas tatuagens e músculos de muito ferro na academia e “docinhos” correndo soltos, me fez querer voltar pra casa. Eram pouco antes de 2 da manhã. Decididamente a caipirinha que eu tomava não iria cair bem se eu continuasse ali.
Paguei, saí e fui à pé até a Avenida Pompéia, cerca de 500 metros dali. Aguardei o primeiro táxi que passasse, o que não demorou muito.
Indiquei onde queria ir para aquele belo moreno de uns 30 e poucos anos. Logo de cara ele perguntou se a balada não estava legal. Falei que aquele não era meu ambiente, eu curtia uma coisa menos expositiva e um som mais cantante e menos psicodélico. Ele também falou um pouco sobre sua vida.
Gustavo tinha 34 anos, solteiro, morava com a mãe na zona norte. Estava juntando um dinheiro para terminar a casa e sair do aluguel. Tinha comprado e quitado o táxi, mas não tinha ponto. Rodava à noite aos finais de semana para ganhar mais dinheiro. Estava solteiro e sua próxima meta era voltar a trabalhar durante o dia e encontrar alguém que preenchesse seu coração.
Reparei que ao chegar à Avenida Doutor Arnaldo, ele imprimiu uma menor velocidade à Meriva. Minha curiosidade permitiu questionar e ele disse que estava se sentindo à vontade de conversar comigo e queria prolongar aquela conversa nem que fosse por alguns minutos somente. Enrubesci com aquele inesperado comentário.
Na Avenida Paulista, notei que ele tomou os últimos goles de água da garrafa que trazia enquanto, ao mudar de marcha (parecia até clichê de filme barato), seus dedos esbarraram em minha calça e eu nem a tirei da posição. A partir daí, entre a segunda e a terceira marcha, sentia seus dedos me tocando.
Estacionou o táxi em frente de meu prédio por volta de 2 da manhã. A corrida do bairro da Lapa até os Jardins não passou de 45 reais (e eu achava que seria bem mais que isso). Entreguei uma nota de 50. Aí ofereci a ele reabastecer sua garrafa de água. E não é que ele aceitou? Convidei-o a subir ao meu apartamento.
Aquela noite Gustavo não deve ter faturado tanto. Pois foi embora de meu apartamento eram sete horas da manhã. E antes que eu imaginasse, ele passou a trabalhar durante o dia somente. E eu passei a ajudar na compra de móveis novos para a casa nova de Gustavo que ficou pronta depois de três meses.
Voltei àquela balada apenas uma vez. Com Gustavo. E no meu carro. Assim como eu, não gostou do som que rola lá. No nosso aniversário de um ano de namoro, em duas semanas, comemoraremos numa das baladas que eu gosto de ir e que ele também gostou de conhecer.