sexta-feira, 29 de abril de 2011

ep. 09 - "DEZESSEIS"

Fernando sai do banho, toalha na cintura. Abre o armário. “Uma camiseta azul ou a branca?” É quinta feira, A Loca vai bombar e ele vai se jogar na pista com as músicas do DJ André Pomba.
Fernando é conhecido na noite: um dos homens mais atraentes e também mais misteriosos de São Paulo. Cobiçado pelos que ainda não beijou, odiado por alguns a quem deixou claro que “era apenas um fast foda”, sabe que consegue quem quiser.
Pegou a chave do carro, o maço de Marlboro Light, o Halls, a carteira e foi.
No carro, um nécessaire com camisinhas, gel íntimo, escova de dente, escova de cabelos, creme dental, enxaguante bucal e um desodorante. Nunca sabe onde vai dormir. Sabe apenas que homem algum vai conhecer seu apartamento no bairro das Perdizes.
Fernando chega à balada quando ela está praticamente lotada, quase na hora do show. Faz parte de sua estratégia. E sente-se bem ao perceber que todos os homens lançam olhares de cobiça em sua direção. Agora é só escolher os que vai beijar.
E é assim toda quinta; toda sexta; todo sábado; todo domingo. Ninguém tem notícias de que ele tenha se ligado a algum homem. “Namorado? Quero é curtir a vida, é cedo pra me amarrar”, como se seus 28 anos permitissem variar bocas, corpos, bundas e paus ao seu bel prazer.
Fernando tem um único amigo em especial. Maurício, que já está perto dos 40 anos. Apesar da diferença, tanto de idade, como de comportamento, um compreende e aceita o outro. Enquanto Fernando é despachado e popular, Maurício é mais contido, tímido. Mas é quem fala aquilo que Fernando precisa, deve e nem sempre gosta e quer ouvir. E quem ouve todas as peripécias sexuais do amigo. Quando se conheceram, em 2006, Maurício, com 34 anos, se encantou por aquele então menino charmoso, moreno de olhos esverdeados, de 23 anos. Como nunca deixou esse sentimento transparecer, a amizade acabou prevalecendo e Maurício tinha Fernando como seu parceiro. Mesmo não compartilhando das mesmas idéias e dos mesmos programas, compartilhavam respeito e confidências. Algumas delas, tórridas demais!
Sexta feira. Fernando acordou na cama do rapaz que o levou à sua casa para terminarem o que começaram na pista da Loca. Tomou um banho, vestiu-se e foi pra sua casa para trocar a roupa. Ao chegar, resolveu ligar para Maurício. Atendeu uma mulher com voz embargada:
- Fernando? É a Deborah.
- Oi, Deborah, não sabia que estava em São Paulo.
- Maurício teve um enfarte no fim da noite de ontem. Faleceu no começo da madrugada.

O chão se abriu. Fernando desabou no sofá, incrédulo. Sentia-se frágil, desprotegido, inseguro. Não foi trabalhar. Viajou com Deborah para o interior. Acompanhou o funeral do único amigo que conquistara na vida. Na saída do cemitério, Deborah o abordou:
- Obrigado por tudo o que fez pelo meu irmão.
- Eu é que sempre vou agradecer pelo que ele fez por mim.
- Mas eu estou falando do que você fez: ele sempre o amou, Fernando, e mesmo você não estando apaixonado por ele, nunca o descartou, nunca o considerou um estorvo.
- Como assim? Você quer dizer que Maurício...
- Ele era louco por você, Fernando. E por você nunca tê-lo abandonado por isso
– Deborah o abraça – eu só tenho a agradecer por não deixar meu irmão sofrer.
Sozinho, no carro, na volta para São Paulo naquele fim de tarde de sábado, Fernando pensava nas palavras de Deborah. Sentia-se idiota.
Fernando amava Maurício em silêncio. Tantos homens, tantos beijos, tantas bocas, tantas trepadas. Nenhuma era a de Maurício. E, na falta de coragem de declarar seu amor ao amigo, não fora capaz de perceber o amor que Maurício lhe dedicava.
“Eu ainda tenho uma chance. Maurício, meu amor, me espere. Vou te encontrar e vamos ser eternamente felizes”.
Fernando aumentou o volume do rádio. Tocava, coincidentemente, a música “Dezesseis”, da banda Legião Urbana. Acelerou o carro. Logo adiante, uma curva. Para encontrar Maurício, Fernando seguiu em frente. Com um sorriso que nascia entre as lágrimas que corriam pelo seu rosto. "Strawberry Fields Forever"

domingo, 24 de abril de 2011

ep. 08 - UMA FILHA PRA CHAMAR DE MINHA

Foi numa balada em São Paulo que André e Vagner se conheceram. A troca de olhares, seguida de um papo, beijos e a noite na cama de Vagner. Aos despedir-se, sabiam que aquele tinha sido apenas o primeiro encontro.
E houve muitos, onde permitiram que o encantamento se transformasse em paixão. Vagner aceitou o pedido de namoro de André.
O namoro fortalecia a cada dia, a cada beijo. André tinha perdido os pais há algum tempo foi recebido como filho na família de Vagner. Só o irmão de André não o aceitava. Pouco tinha contato. Ainda mais depois que o irmão casou e teve filhos.
André e Vagner eram mais que companheiros, eram parceiros, cúmplices. Seja para um filme a dois no sofá quanto a uma noitada de baladas que só ia terminar depois do meio dia num dos muitos after que aconteciam pela cidade. Em dois anos, estavam morando juntos num amplo apartamento comprado por André, no bairro das Perdizes.
Combinaram as férias para viajar juntos, embora a arquitetura os levasse para Ilhas Gregas, Ibiza, Inglaterra, Caribe, Malásia, África do Sul. Conheceram o mundo. Até se sentirem prontos para aumentar a família.
A batalha judicial foi ganha e Mariana, com dois anos, foi adotada. E desde cedo foi acostumada a ter dois pais e a conhecer o que era o homossexualismo. Isso foi fundamental para que ela se safasse de algumas atitudes de bullying na escola. Desde pequena se safou de ser chamada de filha de duas bichas na escola onde conseguiu estudar, já que muitos grandes colégios não a aceitaram por ser filha de dois pais.
A festa de 15 anos de Mariana foi num dos buffets mais tradicionais de São Paulo e rendeu até seis páginas na revista Caras.
Aos 18, Mariana entra na USP. Contrariando os pais, ela vai estudar Psicologia e se especializa em Psicologia Comportamental Familiar, sendo aprovada com louvor e méritos, para orgulho de Vagner e André. Na valsa, metade da música Mariana dançou com André para, em seguida, ir para os braços de Vagner. Os presentes se encantaram. E no baile que conheceram Juarez, o namorado de Mariana. Foi quando o ciúme que sentiram da filha mostrou a eles que ela havia se tornado uma bela mulher.
De início os pais de Juarez não foram simpáticos àquele relacionamento, mas bastou conhecer os pais de Marina no jantar de noivado para saberem que o filho seria marido de uma mulher maravilhosa, de educação exemplar e, acima de tudo, digna.
E foi assim, tal qual a escola, depois de muita recusa, o casamento foi realizado numa igreja do Centro de São Paulo. E na entrada da noiva, poucos prestaram atenção à marcha nupcial, já que Mariana entrou abraçada aos dois pais, sendo aplaudida pelos convidados às lagrimas da porta ao altar.
Nas próximas férias, tal qual a música “Eduardo e Mônica”, da banda Legião Urbana, André e Vagner não vão viajar. Estarão babando o neto Vagner André que acaba de nascer.

Até quando esta estória será apenas ficção?

terça-feira, 19 de abril de 2011

ep. 07 - BUT IT'S (not) OVER NOW

It must have been love - Roxette.
Show em 14/04/2011 - Credicard Hall - São Paulo


Lay a whisper on my pillow; leave the winter on the ground.
I wake up lonely; there’s air of silence in the bedroom
And all around, touch me now; I close my eyes and dream away


Um dia, aquele homem, de camiseta branca, atravessou a rua ao meu encontro.
Um dia, aquele homem, de camiseta branca, deitou em meu colo.
Um dia, aquele homem, de camiseta branca, provocou meus pensamentos.
Um dia, aquele homem, de camiseta branca, despertou meu amor.

It must have been love, but it’s over now
It must have been good, but I lost it somehow.
It must have been love, but it’s over now
From the moment we touched ‘til the time had run out


Aquele homem tinha outro em seu coração, mas eu fui persistente.
Conquistei os pensamentos daquele homem que sonhava voar.
Fiz de meu coração um (aero)porto seguro para aquele homem que buscava as estrelas.
Aquele homem que lhe cortaram as asas.

Make believe, we’re together that I’m sheltered by your heart
But in and outside I’ve turned to water like a teardrop in your palm
And it’s a hard winter’s day I dream away


O que nos levou a nos agredirmos? Seriam as cicatrizes que trouxemos?
As frustrações que vivemos? O medo de amar? O medo de nos entregarmos ao amor?
Por que o medo nos fez ferir quem amávamos?
Por que mutilamos o desejo de nos entregarmos?

It must have been love, but it’s over now
It was all that I wanted; now I’m living without
It must have been love, but it’s over now.
It’s where the water flows. It’s where the wind blows.


Que barreira é essa que há entre nós? Barreira que impede que nos entreguemos?
Por que conseguimos entrar em nossos pensamentos, mas não em nossos corações?
Juntos, cantamos uma música que nosso coração não quer ouvir.
Nosso coração silencia, mas o olhar quer cantar IT’S NOT OVER NOW.

sábado, 9 de abril de 2011

ep. 06 - NÃO DEU CERTO?

Estava num bar com um conhecido quando um amigo dele chegou. Fomos apresentados e os dois falaram do fim do relacionamento de sete anos do rapaz.
- E como você está?
- Estou levando, reaprendendo a ser solteiro.
- Toma cuidado, não enfie o pé na jaca.
- To legal. O pior já passou. Pena que não deu certo.
Isso foi assunto para quase a noite inteira de conversa entre mim e meu amigo depois que o rapaz foi embora.
Como assim, “não deu certo”? Um sujeito de uns 35 anos que passa 20% de sua existência ao lado de alguém, dizer que “não deu certo”, é estranho pra mim.
Não foram sete segundos (o tempo de uma troca de olhares), sete minutos (o tempo de um flerte), sete horas (o tempo de uma noite), sete dias (o tempo de um test drive), sete semanas (o tempo de um rolo) ou sete meses (o tempo de um namorinho). Foram S-E-T-E anos.
E em sete anos, quantos presentes de dia dos namorados eles trocaram?
Quantos chocolates na páscoa?
Quantas noites dormiram de conchinha?
Quantas vezes um cuidou do resfriado ou da gripe do outro?
Quantos filmes viram um apoiado no ombro do outro no cinema?
Quantos DVDs assistiram deitados na cama ou no sofá da sala?
Quantas vezes aplaudiram em pé os atores da peça de teatro que viram juntos?
Quantas vezes viajaram juntos?
E ao volante, quantas vezes um acariciou os cabelos ou a perna do outro enquanto este dirigia?
Quantos Natais trocaram presentes?
Quantas vezes curtiram o sol numa praia?
Quantas vezes almoçaram na casa das mães?
Quantas vezes foram ao supermercado comprar ingredientes para o jantar que um fez para o outro?
Quantas noites dormiram de conchinha?
Quantas vezes tomaram banho juntos?
Quantas vezes o esperma de um esteve dentro do corpo do outro, como a mais profunda prova de confiança e amor?
E, falando em amor, quantas vezes disseram “Eu te amo”?
Claro que o relacionamento deu certo sim. Durante sete anos deu certo. Não acredito que eles tenham percebido que seria difícil nos primeiros dias e tentado tanto tempo consertar. Ninguém tem essa paciência quando existe incompatibilidade.
Infelizmente o ser humano tem uma predisposição a valorizar situações erradas em sua vida. Como se fosse exigido que tudo fosse sempre do jeito que gostaríamos que fosse o tempo todo. Por isso, uma tendência muito grande, quando se pensa em relacionamentos passados, sempre deixar vir à cabeça o fim, o término, o sofrimento.
Eu faço parte deste grupo de pessoas, mas estou tentando ser menos cruel comigo mesmo.
Tentando não fazer do término dos relacionamentos anteriores, o portal para as boas lembranças do que vivemos durante o tempo que namoramos. Dar mais valor a tudo que marcou positivamente. Afinal, como cantou a banda Titãs: “Não tenho tempo a perder, só quero saber o que pode dar certo”.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

ep. 05 - (DES)AMOR À DISTÂNCIA - parte 1 - o abismo


Quando Andréa conheceu Fernanda, esta estava no começo da faculdade. Paixão à primeira vista. Tão diferentes, mas tão tolerantes, a paixão evoluiu para uma linda história de amor. Andréa gosta da noite. Fernanda prefere um DVD com pipocas (mesmo que tenha dormido em quase 100% dos filmes que se propuseram a ver juntas). Fernanda só ficava acordada para fazer, na casa de Andréa, trabalhos da faculdade. Fernanda não tinha computador, e Andréa deixava Fernanda usá-lo.
O tempo passou, a faculdade terminou, e Fernanda foi tentar a sorte em São Paulo, com total apoio de Andréa. Junto com dois colegas da faculdade, alugou um apartamento próximo à rua Frei Caneca. Seria este grupo e outros três morando relativamente perto a prolongar a atmosfera universitária.
Feriado prolongado. Andréa vai a São Paulo visitar Fernanda. Esta reclama estar sem dinheiro. Andréa ouve, mas sabe que lá vai dar um jeito de arrastar Fernanda nem que seja para tomar uma coca cola na mesa de algum bar gay. Quando Andréa está saindo para encarar a estrada, Fernanda liga perguntando se ela ia demorar, pois um colega de seu apê a chamou para ir a um happy hour e queria estar de volta quando a namorada chegasse. Andréa estranhou Fernanda ir, pois reclamou a semana toda da falta de dinheiro.
Logo que Andréa chegou, primeiro os beijos de saudade, em seguida o amor aguardado, e carinhos. Depois foi buscar no carro o resto da mudança de Fernanda e contou a novidade: ia começar uma pós graduação dali a um mês.
Ao acordarem no dia seguinte, Fernanda passou o roteiro do fim de semana: Almoço na Benedito Calixto, um bar da Vila Madalena à noite, almoço no apê de uns amigos no outro dia, uma balada à noite. Andréa não negou fogo em nenhum programa.
Na balada, Fernanda tão carinhosa, tão apaixonada. Na pista, ao som de uma música dançante, uma declaração de amor eterno ao pé do ouvido, entre beijos e abraços, que provocou arrepios. Aquela era, sim, a mulher com quem queria envelhecer junto.
O fim de semana passou e Andréa preparava a volta. Almoçou com Fernanda e saiu para encher o tanque do carro. Ao voltar, encontrou Fernanda, às lágrimas.
Ela estava terminando o relacionamento de três anos. Esperou o fim de semana inteiro para isso. Não deu uma explicação convincente. Dizia frases soltas: estava insegura com sua situação de começar a batalhar numa cidade grande, morava numa região onde a tentação estava em todas as esquinas (para quem não sabe, na região da rua Frei Caneca moram muitos gays – homens e mulheres – de São Paulo) mas fez questão de frisar que a distância de Andréa seria cruel, já que ela, pra atrapalhar, inventou uma pós graduação e não poderia vê-la frequentemente, já que as aulas seriam aos finais de semana.
“Inventei uma pós?” Andréa saiu arrasada do apartamento de Fernanda. Não chorou. Não conseguiu. Mas entrou na entrada com duas palavras cravadas em sua cabeça (POR QUE) e uma interrogação (?) pendurada por uma corda enfiada em seu coração, puxando-a para um abismo.





(Continua daqui a alguns posts)

domingo, 3 de abril de 2011

ep. 04 - A CERVEJA E O CIGARRO

Numa semana onde o falastrão Jair Bolsonaro ganhou, de novo, as páginas de jornais, redes sociais, e virou assunto nos quatro cantos, o que mais me assusta é saber que o preconceito para com homossexuais não parte somente de quem não tem essa condição.
Infelizmente os gays são também preconceituosos e, muitas vezes, agem de forma a humilhar, retaliar e, por que não?, anular outro gay.
Em sites de relacionamento, corpos trabalhados em anos de academia de ginástica (e bomba, em muitos casos) fazem o diferencial e sublinham que a busca deve ser entre iguais.
Cidades grandes, como São Paulo, amizades são construídas entre próximos. Existem, e são muitos, mas sempre haverá um distanciamento entre um homem que more na Penha e outro que more na Lapa. E não apenas distanciamento geográfico.
Fora quando um piercing, uma tatuagem, a música que ouve, a balada que frequenta, o jeito que fala, uma etiqueta de grife famosa e cara na roupa, a marca/modelo/ano do carro que dirige (isso se tiver carro) podem significar a aceitação ou rejeição de uma pessoa por um grupo. Caráter e dignidade ficaram para segundo plano. São bonitos na retórica: todo mundo diz valorizá-los. No entanto, suas atitudes seguem em caminhos opostos.
Isso em pleno século XXI.
E foi numa noite de sábado, do quarto mês, do primeiro ano, da segunda década do século XXI que essa cena aconteceu:
Dois homens se olham, se paqueram, mas não se aproximam. Tempos depois, outro encontro, outra troca de olhares, sem aproximação. Mais tarde, bem mais tarde, um deles fuma um cigarro no terraço quando o outro, que estava com seus amigos, alterado pelas várias garrafas de cerveja consumidas, aproxima-se e num tom acima do normal, para ser ouvido, diz ao que fumava:
- Você é lindo, tem uma boca gostosa que eu adoraria beijar. Pena que você fuma. Eu odeeeeeeeeeeeio cigarros.
Como se ajudado pelos espíritos protetores, o que fumava (e só bebido refrigerante e água) responde:
- Eu não beijaria você por duas razões. A primeira: você não faz meu tipo. É feio de doer. E a segunda: Eu detesto bafo de cerveja.
As várias pessoas que estavam no local ficaram em silêncio. Algumas espantadas, outras cutucando os amigos e apontando na direção dos dois.
Mas todas, certamente, divertindo-se com tamanha demonstração dupla de idiotice.
O preconceito está por aí. Embaixo de tampinhas de garrafas de cerveja. Voando na fumaça de um cigarro.