Fernando sai do banho, toalha na cintura. Abre o armário. “Uma camiseta azul ou a branca?” É quinta feira, A Loca vai bombar e ele vai se jogar na pista com as músicas do DJ André Pomba.Fernando é conhecido na noite: um dos homens mais atraentes e também mais misteriosos de São Paulo. Cobiçado pelos que ainda não beijou, odiado por alguns a quem deixou claro que “era apenas um fast foda”, sabe que consegue quem quiser.
Pegou a chave do carro, o maço de Marlboro Light, o Halls, a carteira e foi.
No carro, um nécessaire com camisinhas, gel íntimo, escova de dente, escova de cabelos, creme dental, enxaguante bucal e um desodorante. Nunca sabe onde vai dormir. Sabe apenas que homem algum vai conhecer seu apartamento no bairro das Perdizes.
Fernando chega à balada quando ela está praticamente lotada, quase na hora do show. Faz parte de sua estratégia. E sente-se bem ao perceber que todos os homens lançam olhares de cobiça em sua direção. Agora é só escolher os que vai beijar.
E é assim toda quinta; toda sexta; todo sábado; todo domingo. Ninguém tem notícias de que ele tenha se ligado a algum homem. “Namorado? Quero é curtir a vida, é cedo pra me amarrar”, como se seus 28 anos permitissem variar bocas, corpos, bundas e paus ao seu bel prazer.
Fernando tem um único amigo em especial. Maurício, que já está perto dos 40 anos. Apesar da diferença, tanto de idade, como de comportamento, um compreende e aceita o outro. Enquanto Fernando é despachado e popular, Maurício é mais contido, tímido. Mas é quem fala aquilo que Fernando precisa, deve e nem sempre gosta e quer ouvir. E quem ouve todas as peripécias sexuais do amigo. Quando se conheceram, em 2006, Maurício, com 34 anos, se encantou por aquele então menino charmoso, moreno de olhos esverdeados, de 23 anos. Como nunca deixou esse sentimento transparecer, a amizade acabou prevalecendo e Maurício tinha Fernando como seu parceiro. Mesmo não compartilhando das mesmas idéias e dos mesmos programas, compartilhavam respeito e confidências. Algumas delas, tórridas demais!Sexta feira. Fernando acordou na cama do rapaz que o levou à sua casa para terminarem o que começaram na pista da Loca. Tomou um banho, vestiu-se e foi pra sua casa para trocar a roupa. Ao chegar, resolveu ligar para Maurício. Atendeu uma mulher com voz embargada:
- Fernando? É a Deborah.
- Oi, Deborah, não sabia que estava em São Paulo.
- Maurício teve um enfarte no fim da noite de ontem. Faleceu no começo da madrugada.
O chão se abriu. Fernando desabou no sofá, incrédulo. Sentia-se frágil, desprotegido, inseguro. Não foi trabalhar. Viajou com Deborah para o interior. Acompanhou o funeral do único amigo que conquistara na vida. Na saída do cemitério, Deborah o abordou:
- Obrigado por tudo o que fez pelo meu irmão.
- Eu é que sempre vou agradecer pelo que ele fez por mim.
- Mas eu estou falando do que você fez: ele sempre o amou, Fernando, e mesmo você não estando apaixonado por ele, nunca o descartou, nunca o considerou um estorvo.
- Como assim? Você quer dizer que Maurício...
- Ele era louco por você, Fernando. E por você nunca tê-lo abandonado por isso – Deborah o abraça – eu só tenho a agradecer por não deixar meu irmão sofrer.
Sozinho, no carro, na volta para São Paulo naquele fim de tarde de sábado, Fernando pensava nas palavras de Deborah. Sentia-se idiota.
Fernando amava Maurício em silêncio. Tantos homens, tantos beijos, tantas bocas, tantas trepadas. Nenhuma era a de Maurício. E, na falta de coragem de declarar seu amor ao amigo, não fora capaz de perceber o amor que Maurício lhe dedicava.
“Eu ainda tenho uma chance. Maurício, meu amor, me espere. Vou te encontrar e vamos ser eternamente felizes”.Fernando aumentou o volume do rádio. Tocava, coincidentemente, a música “Dezesseis”, da banda Legião Urbana. Acelerou o carro. Logo adiante, uma curva. Para encontrar Maurício, Fernando seguiu em frente. Com um sorriso que nascia entre as lágrimas que corriam pelo seu rosto. "Strawberry Fields Forever"










