
Fernando é conhecido na noite: um dos homens mais atraentes e também mais misteriosos de São Paulo. Cobiçado pelos que ainda não beijou, odiado por alguns a quem deixou claro que “era apenas um fast foda”, sabe que consegue quem quiser.
Pegou a chave do carro, o maço de Marlboro Light, o Halls, a carteira e foi.
No carro, um nécessaire com camisinhas, gel íntimo, escova de dente, escova de cabelos, creme dental, enxaguante bucal e um desodorante. Nunca sabe onde vai dormir. Sabe apenas que homem algum vai conhecer seu apartamento no bairro das Perdizes.
Fernando chega à balada quando ela está praticamente lotada, quase na hora do show. Faz parte de sua estratégia. E sente-se bem ao perceber que todos os homens lançam olhares de cobiça em sua direção. Agora é só escolher os que vai beijar.
E é assim toda quinta; toda sexta; todo sábado; todo domingo. Ninguém tem notícias de que ele tenha se ligado a algum homem. “Namorado? Quero é curtir a vida, é cedo pra me amarrar”, como se seus 28 anos permitissem variar bocas, corpos, bundas e paus ao seu bel prazer.

Sexta feira. Fernando acordou na cama do rapaz que o levou à sua casa para terminarem o que começaram na pista da Loca. Tomou um banho, vestiu-se e foi pra sua casa para trocar a roupa. Ao chegar, resolveu ligar para Maurício. Atendeu uma mulher com voz embargada:
- Fernando? É a Deborah.
- Oi, Deborah, não sabia que estava em São Paulo.
- Maurício teve um enfarte no fim da noite de ontem. Faleceu no começo da madrugada.
O chão se abriu. Fernando desabou no sofá, incrédulo. Sentia-se frágil, desprotegido, inseguro. Não foi trabalhar. Viajou com Deborah para o interior. Acompanhou o funeral do único amigo que conquistara na vida. Na saída do cemitério, Deborah o abordou:
- Obrigado por tudo o que fez pelo meu irmão.
- Eu é que sempre vou agradecer pelo que ele fez por mim.
- Mas eu estou falando do que você fez: ele sempre o amou, Fernando, e mesmo você não estando apaixonado por ele, nunca o descartou, nunca o considerou um estorvo.
- Como assim? Você quer dizer que Maurício...
- Ele era louco por você, Fernando. E por você nunca tê-lo abandonado por isso – Deborah o abraça – eu só tenho a agradecer por não deixar meu irmão sofrer.
Sozinho, no carro, na volta para São Paulo naquele fim de tarde de sábado, Fernando pensava nas palavras de Deborah. Sentia-se idiota.
Fernando amava Maurício em silêncio. Tantos homens, tantos beijos, tantas bocas, tantas trepadas. Nenhuma era a de Maurício. E, na falta de coragem de declarar seu amor ao amigo, não fora capaz de perceber o amor que Maurício lhe dedicava.

Fernando aumentou o volume do rádio. Tocava, coincidentemente, a música “Dezesseis”, da banda Legião Urbana. Acelerou o carro. Logo adiante, uma curva. Para encontrar Maurício, Fernando seguiu em frente. Com um sorriso que nascia entre as lágrimas que corriam pelo seu rosto. "Strawberry Fields Forever"